28/08/2014

som de ave

cada som de ave
amadurece e alarga-se
pela cadeia de átomos desta manhã
e junto à orelha
suplica-me coisas do último verão


22/08/2014

Mónica e o desejo

É verdade que foi uma descoberta serôdia aquela que fiz através dos canais-cabo da TV Cine. O que descobri foram alguns filmes do realizador sueco Ingmar Bergman.
Este realizador que inicia a sua formação em Teatro, inspira-se nele quando transporta para a sétima arte a beleza dos planos, o trabalho de luzes, a força das personagens (muito bem definidas, aliás.) e um conjunto de temáticas muitos especiais que me parecem devidas ao facto do seu pai ter sido pastor da igreja protestante.

Ontem, televisionei "Mónica e o desejo"(1953). A personagem que intitula o filme entre e sai do filme como um leitmotiv que arrasta atrás de si  o sentimento tão humano do desejo. O desejo está tão fortemente concentrado naquela personagem e a sua habilidade para alcançar o objeto desejado é tão tosco que arriscaria a chamar a este filme "A Madame Bovary, segundo Ingmar Bergman".

Mónica - ao contrário do seu companheiro que estuda engenharia para construir o devir - surge sempre incomodada e inconformada com a realidade, o que a leva a uma constante condição de nómada. Entra na narrativa e sai igual, como se a sua insatisfação fosse um indomável monstro que vive sem coito pela vida fora.

Atriz Harriet Andersson

Ilusão para lado nenhum


Um ídolo de medo

"Temos de fazer um ídolo do nosso medo, e chamá-lo de Deus." - palavras do Cavaleiro Anthony Block em "O sétimo selo" de Ingmar Bergman.



21/08/2014

Um homem de sorte

"És um homem de sorte. Acreditas na tua própria loucura." - palavras do pintor para Jöns, o escudeiro, no filme " O sétimo selo" de Ingmar Bergman


20/08/2014

uma vez que já tudo se perdeu













Que o medo não te tolha a tua mão
Nenhuma ocasião vale o temor
Ergue a cabeça dignamente irmão
falo-te em nome seja de quem for

No princípio de tudo o coração
como o fogo alastrava em redor
Uma nuvem qualquer toldou então
céus de canção promessa e amor

Mas tudo é apenas o que é
levanta-te do chão põe-te de pé
lembro-te apenas o que te esqueceu

Não temas porque tudo recomeça
Nada se perde por mais que aconteça
uma vez que já tudo se perdeu

Soneto de Ruy Belo.
Desenho de Vasco Barreto

14/08/2014

E agora ?


Desço ou subo ? Se desço, não chegarei e todo o esforço despendido será um farrapo lançado aos cães. Para subir é preciso mais coragem e eu estou atónito, gelado e pétreo como a montanha que me segura e empurra.

Atiro-me ou rezo ? Atirar-me era fácil. Como era fácil, ó meu Deus. E para rezar é preciso espaço. Não há altar mais sagrado que esta paisagem que se espraia a meus pés, porém a minha fé  é menor que a minha descrença. É tarde demais, para encontrar o divino dentro de mim, por que não Lhe conheço o rosto, nem sei ao certo que rasto devo seguir na floresta mística da minha esperança.

Espero ? Mas por quem ? De que vale gritar, se os meus gritos se misturam entre tantos outros, que todos os apelos do mundo não são mais que uma massa informe que passa indiferente entre este zumbido continuo que é a voz humana escutada por um penedo.

Eu sei que não devia ter tomado este caminho, mas tomei. E agora ?

08/08/2014

outra condenação paradoxal

Somos inteligentes demais para nos submetermos a Deus, mas demasiado frágeis para vivermos sem Ele.

Ainda ninguém sabe ao certo onde acaba a terra e começa o céu.

Condenação libertária

Dizia Jean-Paul Sartre que "estamos condenados à nossa liberdade", porém, somos quase sempre  fracos demais para assumir tamanha responsabilidade.

07/08/2014

Ilhas encantadas (I)


















Quando a terra e o céu se olham no espelho do mar,
refletem grãos de claridade extraviados
 fecundando amiúde
o ventre sedento das sereias.

(Foi Helena, serenamente, que me disse
que estes grãos eram o sémen dos deuses.)


Foto: Helena Encarnação (Madeira/2013)