30/04/2014

"Ó Salvaterra" do Tenente Dias Catana

Margens do Rio Erges (primeiro afluente do rio Tejo em Portugal)
foto de Luís Palma Gomes





















Ó minha terra adorada,
Meu conforto e minha festa,
Quero-te sempre lembrada
Na minha Musa modesta.

Porque foi em ti, que um dia,
    - Minha doce feiticeira!
Esta luz que me alumia
Eu vi pela vez primeira.

Vejo às vezes, a sonhar,
Os teus vales e os teus montes,
Onde ouço as aves cantar
Ao desafio com as fontes...

Deixo a música dos ninhos
Que escutei horas a fio,
E, tomando outros caminhos
Vou tomar banho ao teu Rio.

Regresso pela Deveza,
Subo à Forca, sem parar,
Donde admiro a Natureza
Embevecido, a sonhar!...

Prostrado pela canseira,
Estendo-me sobre os fenos
Debaixo duma azinheira,
E respiro a pulmões plenos!

Na paz que então me rodeia
Ouço cânticos estranhos
De envolta co’a melopeia
Dos chocalhos dos rebanhos.

Até o cuco indolente
Quer mostrar que tem garganta,
E eu conto, maquinalmente,
As vezes que o cuco canta.

Como é bom, sonhando, ver
Os lugares da mocidade!
Só é pena não poder
Voltar-se, atrás, na idade!

Ó Salvaterra da Beira,
- Meu doce e suave enleio! –
Na minh’hora derradeira,
Dá-me guarida em teu seio!

"Natural da raiana Salvaterra do Extremo, o Tenente Dias Catana é nome conhecido em todo o distrito de Castelo Branco. Conhecido e apreciado. Não precisa de apresentação, além da que já dele fez o ilustre  beirão e académico, dr. Jaime Lopes Dias, no prefácio que escreveu: “sonhador, idealista, possuído de excessiva modéstia, que anda de braço dado com a sinceridade, autodidacta, folclorista, músico, compositor e executante”." extraído do blog salvaterraeeu.blogspot.pt

26/04/2014

À conversa com filósofo na aldeia

Ao meu amigo Domingos "Sol", um guerreiro-filósofo

Nada ou tudo flui ?
A eternidade ou um segundo ?
O sagrado ou o profano ?
A intuição ou a verdade ?

Tu insistes que não há verdade.
As coisas fazem ou não sentido, dizes.
Mas a partir de quando e até onde ? Pergunto eu.
Um dogma não se prova, continua-se.
É esta a natureza dos inícios, dos axiomas.
O caminho lógico é apenas uma das tentações do labirinto.

E se esse caminho não tiver saída, insistimos ?

Abril de 2014, Salvaterra do Extremo


A giesta















3,7 segundos antes da expulsão de Eva,
estoira, entre pássaros de minério,
uma mão de lava
que agarra e ergue
uma giesta em flor.

Já na era cenozóica ,
o poeta olha aquela combustão floral,
qual sarça (ainda) ardente,
e regista-a no seu livrinho de mão.

Abril de 2014 em Salvaterra-do-Extremo (Beira-Baixa)

14/04/2014

Um problema ontológico

           ao Miguel-Manso

O poema é a parte do silêncio
que não coube na caixa negra do esquecimento,
transbordou por entre as frestas dos dedos
e ouviu-se cair no vazio
que se instala entre os pingos da chuva.

O poema é o que ficou do retrato
depois de recortado o rosto.

O poema é o big bang do instante,
expandindo-se pelo infinito do  balde
que uma criança loura levou para  a praia.

O poema é só isto.


07/04/2014

Às quatro da madrugada

Agora sei e sinto como toda a casa expira e inspira: O frigorífico, as paredes e até o gato que me vigia incrustado às macias almofadas do sofá,  como se de um fantasma consentido se tratasse. Ouço o bater do velho relógio e cada segundo marca o preço da eternidade que homem nenhum pode pagar.
Lá fora a noite esvai-se por um ralo ainda acordado, escoando-se num vórtice  a caminho de um oriente qualquer. E, em segredo, escrevo todo este rumor silabado pela insónia.



04/04/2014

Gacela del amor imprevisto
















Nadie comprendía el perfume
de la oscura magnolia de tu vientre.
Nadie sabía que martirizabas
un colibrí de amor entre los dientes.

Mil caballitos persas se dormían
en la plaza con luna de tu frente,
mientras que yo enlazaba cuatro noches
tu cintura, enemiga de la nieve.

Entre yeso y jazmines, tu mirada
era un pálido ramo de simientes.
Yo busqué, para darte, por mi pecho
las letras de marfil que dicen siempre,

siempre, siempre: jardín de mi agonía,
tu cuerpo fugitivo para siempre,
la sangre de tus venas en mi boca,
tu boca ya sin luz para mi muerte.

de Federico Garcia Lorca do livro 'Diván del Tamarit'


Tradução

Ninguém entendia o perfume 
da obscura magnólia do teu útero. 
Ninguém sabia que  martirizavas 
um beija-flor de amor entre teus dentes. 

Mil  cavalinhos persas adormeceram 
na praça com a lua da tua fronte, 
Durante quatro noites eu abracei 
a tua cintura, inimiga da neve. 

Entre gesso e jasmins, o teu olhar 
era um ramo pálido de sementes. 
tentei dar-te, pelo meu peito 
as letras de marfim que dizem sempre, 

sempre, sempre: jardim da minha agonia, 
teu corpo fugitivo para sempre, 
o sangue das tuas veias em minha boca, 
tua boca já sem luz para a minha morte

De Luís Palma Gomes

02/04/2014

A vitória da primavera



O verde acabou agora mesmo de conquistar a angústia seca dos últimos galhos resistentes. Mais uma vez, a primavera deu a volta ao mundo e regressou vitoriosa às árvores da minha rua.