26/12/2014
23/12/2014
19/12/2014
Maria de Lurdes
A ti que me ensinaste a ver com o coração,
a ti que foste carinhosa com os fracos e rufia com os
pequenos tiranos,
a ti que foste a mãe das minhas emoções,
a ti e apenas a ti, neste imenso pequeno momento, eu te
saúdo,
Maria de Lurdes, minha ama de colo infinito.
Escrever com o sol na mão e ver o vento soprar
Escrever com o sol na mão e ver o vento soprar. Escrever palavras luminosas que preparem para o escuro. Escrever frases médias para não se cansarem ou perderem o fôlego. Escrever o silêncio e ouvir o mar ao longe. Escrever como se os dedos fossem galhos de árvores com folhas ainda verdes. Escrever os versos mais solares e mais vibrantes. Fechar os olhos e ver. Ver e reter o principal. Não ter medo do frio e da indigência. Virar-se para os outros em sorriso e em ajuda. Não ter dinheiro e dar muito, dar-nos. Aceitar o que nos dão, agradecendo. Fechar as luzes, reacende-las. Tocar o mistério, sem o anular. Tocar cada vez mais luminosamente. Tocam com muitas vozes a acompanhar. A corrente do amor é forte, mas não fulmina. Rimos e choramos. Ganhamos e perdemos. Vivemos, participamos do ser mais profundo que, de dentro, ilumina o mundo, fazendo-o dançar.
Maria Teresa Dias Furtado
Maria Teresa Dias Furtado
"A palavra" de Carl Dryer
Pelo significado do Natal na cultura ocidental e da sua inspiração judaico-cristã, recomendo a todos a visualização do filme de Carl
Dryer, “A palavra”.
O objectivo da minha recomendação tem um sentido critico e
um objectivo pedagógico. Recentrar a consciência em dois aspectos que parecem
esquecidos e são fulcrais na ética ocidental: O milagre e Jesus Cristo. O filme
reflecte sobre o regresso espiritual de Jesus Cristo à terra (Um estudante de Teologia que fala como se fosse Jesus Cristo), bem como do cariz sua mensagem e
da importância do milagre, como último reduto da esperança humana. O milagre é o herdeiro natural do Deus Ex Machina das peças da antiguidade clássica, ou seja, o momento em que um Deus aparece para mudar a vida dos mortais.
18/12/2014
"A moura"
No próximo dia 23 de janeiro, o Teatro Passagem de Nível estreia "A moura" de minha autoria:
"Em 1362, uma princesa moura permanece refém num convento entre Alcobaça e a Vila de Ourém, enquanto espera que o seu destino incerto se decida. El-Rei D.Pedro I, "O Justiceiro" ou "O Cruel", anda em folguedos e montarias na região. Na Vila de Ourém, uma intriga política cresce entre um clima de feitiçaria e um calor feroz que teima em não abandonar aquelas paragens. A cobiça, a ambição, o amor jovem e tardio são as forças em confronto naquela vila. Um grupo de mulheres e crianças, que vem em cruzada para resgatar os seus homens feitos prisioneiros na batalha do Salado,chega à vila. O seu destino é Córdoba, cidade do Al-Andaluz, território cada vez mais exíguo, numa península cada vez mais cristã.
A princesa Moura chama-se Fátima, o nome da filha de Maomé, apesar de ter sido baptizada com o nome de Oriana no convento onde agora vive. Perto do local onde nos nossos dias se presta o culto à Virgem Maria algo acontece."
16/12/2014
Dois apontamentos sobre o desespero
I.
As bombas caiam sobre Berlim. Os aliados avançavam e tomavam
a cidade. No bunker, o Estado-Maior alemão dançava ao som do swing e bebia
champagne francês. Uma bomba fez tremer a sala da festa. Por momentos, houve um
lapso de realidade. Depois a festa continuou.
O frágil polvo , perseguido por uma garoupa enorme, viu um
buraco quase perfeito. Finalmente estava seguro. Entrou lá para dentro. Esperou
algumas horas, enquanto a garoupa rondava aquele abrigo quase perfeito. O peixe, impotente, acabou
por partir. O polvo sossegou e deixou-se ficar num meio sono, com um olho
ensonado e o outro amedrontado. Quando a luz vinda do céu cresceu, sentiu que o
abrigo emergia. Não entendeu logo o que se passava. Resolveu ficar na segurança
do buraco que afinal era apenas uma armadilha de pesca. O pescador retirou-o com um
gancho e colocou-o numa caixa de madeira. Três minutos depois, virou-lhe a
cabeça do avesso e o polvo, enchendo os guelras de ar, gritou o silêncio todo do
mar.
15/12/2014
Não me disfarço de poeta
Não me disfarço de poeta
A minha coragem é a resistência
Não me escondo atrás de máscara
Enquanto luto pela existência
A minha coragem é a resistência
Não me escondo atrás de máscara
Enquanto luto pela existência
11/12/2014
retribuir e agradecer
"O poeta vive o seu tempo, mas não se reduz a ele. Partilha dores e alegrias, indigna-se, comove-se. Nada do que é humano lhe é alheio. Mas quer oferecer, pela palavra reconstruída no silêncio, um tempo mais humano que possa invadir, com a colaboração livre dos leitores, o nosso tempo. Tempo em que pouco se vislumbra a esperança, a mudança de mentalidades, a cordialidade, a solidariedade. Então o poeta recorda a beleza, não a que foi, mas a que é: nas maravilhas da natureza e do coração humano, aceso em compreensão. O poeta não quer um pedestal, quer humanidade, um dar de mãos autêntico, uma fala a todos acessível que desperte o desejo de fazer melhor porque se sente amado. Poeta: também para retribuir e agradecer."
Texto da Professora Maria José Dias Furtado
Texto da Professora Maria José Dias Furtado
05/12/2014
04/12/2014
Destino
Entrego-Te o destino que devido à sua complexidade, me inibo de gerir. E se tudo me tirares, seja feita a Tua vontade.
Eu entendo os que me pedem para agir. Mas como fazê-lo ? Eu agora só sei esperar. Pela inércia, por ter baixado as armas, peço desculpa ao Deus da Guerra. Porém, todos os que em mim ainda confiam, devem saber que os poetas tem a disfunção de inventar a realidade. É impossivel colocarem-se no lugar de um poeta carregando na cabeça a casa grande da razão. É impossível. Somos diferentes e sempre incompletos, ainda que os nossos olhos carreguem mil anos de infantis emoções.
Não tenham pena dos poetas. Não tenham inveja deles. Tentem compreendê-los e dar-lhes o benefício da invenção.
Eu entendo os que me pedem para agir. Mas como fazê-lo ? Eu agora só sei esperar. Pela inércia, por ter baixado as armas, peço desculpa ao Deus da Guerra. Porém, todos os que em mim ainda confiam, devem saber que os poetas tem a disfunção de inventar a realidade. É impossivel colocarem-se no lugar de um poeta carregando na cabeça a casa grande da razão. É impossível. Somos diferentes e sempre incompletos, ainda que os nossos olhos carreguem mil anos de infantis emoções.
Não tenham pena dos poetas. Não tenham inveja deles. Tentem compreendê-los e dar-lhes o benefício da invenção.
Poetas perigosos
Só meto com poetas perigosos. Primeiro, Ruy Belo que me
deixou nostálgico. Agora o Manoel de Barros que está deixando-me criança.
E,
para finalizar, preciso vos confessar: “Basta de Fernando Pessoa requentado”,
ainda que seja o mais admirável poeta que já li.
30/11/2014
Como um inseto
à memória de Manoel de Barros
Serás excêntrico
à tua própria pele.
Como quem viaja
pela inércia aparente dos astros,
regressarás à Ítaca materna
despojado de todas as confusões da psique.
Diria que voltarás
como um inseto agora aliviado
do seu destino rasteiro.
Serás excêntrico
à tua própria pele.
Como quem viaja
pela inércia aparente dos astros,
regressarás à Ítaca materna
despojado de todas as confusões da psique.
Diria que voltarás
como um inseto agora aliviado
do seu destino rasteiro.
Manoel de Barros - Poeta brasileiro (1916 - 2014) |
28/11/2014
Manoel de Barros, o apanhador de desperdícios
Manoel de Barros nasceu no Brasil há 97 anos atrás. Quando era muito jovem foi viver com a família para uma propriedade rural, onde conviveu com os animais, as plantas, enfim as coisas simples da vida. Quando tinha dez anos e estudava num colégio interno revoltou-se contra a escrita do Padre António Vieira por lhe parecer que a escrita do famoso pregador se preocupava mais com o estilo da frase do que com a verdade. Apesar de como irão ouvir a verdade para Manoel de Barros tem um cunho simples e deliciosamente ingénuo.
Formou-se em Direito e quando tinha 18 anos e vivia no Rio de Janeiro entrou para o Partido Comunista. Escreveu numa estátua “Viva o Comunismo” e a policia foi procurá-lo a casa. A dona da pensão, onde o poeta vivia, recebeu a policia e disse que não podiam pegar “o menino” porque ele era tão bom que até tinha escrito um livro chamado “ Nossa Senhora da Nossa Escuridão”. Os policiais não pegaram o menino poeta, mas levaram todos os exemplares do livro.
Manoel de Barros rompe com o Partido Comunista quando o seu líder, após 10 anos de prisão política, resolve apoiar o presidente Getúlio Vargas. Apís esta deceção, vive na Bolivia, Perú e durante um ano em nova Iorque onde faz um curso de cinema e pintura no Museu de Arte Moderna.
Na década de 60, volta a Campo Grande no Brasil, onde passou a viver como criador de gado, sem nunca deixar o seu incansável ofício de poeta.
Apesar de ter escrito muitos livros durante toda a sua vida e de ter ganho muitos prémios literários desde 1960, durante muito tempo sua obra ficou desconhecida do grande público. Possivelmente porque o poeta não frequentava os meios literários e editoriais e tinha hábito bajular ninguém.
O seu trabalho começou a ser valorizado nacionalmente a partir da descoberta deste por parte de Millôr Fernandes, já na década de 1980. A partir daí, ganhou reconhecimento através de vários dos maiores prémios literários do Brasil.
Foi considerado o maior ou um dos maiores poetas do Brasil, sendo um dos mais aclamado nos círculos literários do seu país. O seu trabalho tem sido publicado em Portugal, onde é um dos poetas contemporâneos brasileiros mais conhecidos, na Espanha e na França.
Morreu com 97 anos há duas semanas atrás (uma prova como a poesia dá saúde), mas deixou para a língua portuguesa uma herança simples mas profundamente terapêutica nestes tempos em que às vezes tendemos a complicar a vida afinal tão simples como nos explica Manoel de Barros nos seus poemas.
26/11/2014
Quando a terra tremer
Quando a terra voltar a tremer
e tudo enfim desfalecer,
um pombo levará no bico
a brisa fértil das asas das borboletas.
e tudo enfim desfalecer,
um pombo levará no bico
a brisa fértil das asas das borboletas.
21/11/2014
Não olhes de frente a Medusa
Não olhes a Medusa de frente, se não ela vai-te petrificar. Olha-a no reflexo do teu escudo, herói. Contorna-a com as sandálias aladas que Hermes tão fraternalmente te cederá. Pede auxílio à deusa da sabedoria, Atenas. A espada, o elmo da invencibilidade e o escudo espelhado pede-os ao Deus dos mortos, Hades, porque ninguém é mais poderoso do que ele na hora de matar.
Quando cortares a cabeça à Medusa, tudo vai ficar mais leve. E do sangue por ela derramado, irá nascer um cavalo alado, Pégaso, representando a nova leveza do teu espírito e um gigante dourado que não é mais do que tua alma doravante.
Não olhes de frente a Medusa, irmão. Não olhes.
Quando cortares a cabeça à Medusa, tudo vai ficar mais leve. E do sangue por ela derramado, irá nascer um cavalo alado, Pégaso, representando a nova leveza do teu espírito e um gigante dourado que não é mais do que tua alma doravante.
Não olhes de frente a Medusa, irmão. Não olhes.
Perseu e a cabeça cortada da Medusa |
19/11/2014
Não entres docilmente nessa noite serena
"Não entres docilmente nessa noite serena,
porque a velhice deveria arder e delirar no termo do dia,
odeia, odeia a luz que começa a morrer."
Estes versos do poeta galês Dylan Thomas, são várias vezes repetidos no filme "Interstellar" de Christopher Nolan que recomendo desde já. Quanto aos versos, são uma espécie de grito de revolta contra o tempo.
porque a velhice deveria arder e delirar no termo do dia,
odeia, odeia a luz que começa a morrer."
Estes versos do poeta galês Dylan Thomas, são várias vezes repetidos no filme "Interstellar" de Christopher Nolan que recomendo desde já. Quanto aos versos, são uma espécie de grito de revolta contra o tempo.
18/11/2014
17/11/2014
Passarinho Anarquista (V)
O passarinho, no cagaruto de um pinheiro bravo, piava aos sete ventos: "Não me venham falar em nome de todos os pássaros. Quando me vêm com aquele discurso 'Para bem da passarada', cheira-me logo a esturro. Juntar, no mesmo saco, falcões e pardais, gaivotas e avestruzes, soa-me a demagogia da grossa e mata-se logo a discussão política."
O passarinho anarquista (IV)
Hoje quando me dirigia para o café, vi o passarinho anarquista muito engolfado e deprimido. Perguntei-lhe, cheio de compaixão, o que se passava. Ele confessou que era um anarquista de "estufa" e que quando surgiam as primeiras auroras fascistas, ficava logo enrascado.
Eu reconfortei-o, mas segredei para os meus botões: "És mesmo um passarinho".
Eu reconfortei-o, mas segredei para os meus botões: "És mesmo um passarinho".
14/11/2014
Afinal foi Nietzsche quem morreu
"Deus morreu!" - escreveu Nietzsche.
Mais tarde, Deus deliberou "Nietzsche morreu..." e acabou de vez com qualquer equivoco de cariz modernista.
Mais tarde, Deus deliberou "Nietzsche morreu..." e acabou de vez com qualquer equivoco de cariz modernista.
Algumas proposições com pássaros e árvores que o poeta remata com uma referência ao coração
Os pássaros nascem na ponta das árvores
As árvores que eu vejo em vez de fruto dão pássaros
Os pássaros são o fruto mais vivo das árvores
Os pássaros começam onde as árvores acabam
Os pássaros fazem cantar as árvores
Ao chegar aos pássaros as árvores engrossam movimentam-se
deixam o reino vegetal para passar a pertencer ao reino animal
Como pássaros poisam as folhas na terra
quando o outono desce veladamente sobre os campos
Gostaria de dizer que os pássaros emanam das árvores
mas deixo essa forma de dizer ao romancista
é complicada e não se dá bem na poesia
não foi ainda isolada da filosofia
Eu amo as árvores principalmente as que dão pássaros
Quem é que lá os pendura nos ramos?
De quem é a mão a inúmera mão?
Eu passo e muda-se-me o coração
As árvores que eu vejo em vez de fruto dão pássaros
Os pássaros são o fruto mais vivo das árvores
Os pássaros começam onde as árvores acabam
Os pássaros fazem cantar as árvores
Ao chegar aos pássaros as árvores engrossam movimentam-se
deixam o reino vegetal para passar a pertencer ao reino animal
Como pássaros poisam as folhas na terra
quando o outono desce veladamente sobre os campos
Gostaria de dizer que os pássaros emanam das árvores
mas deixo essa forma de dizer ao romancista
é complicada e não se dá bem na poesia
não foi ainda isolada da filosofia
Eu amo as árvores principalmente as que dão pássaros
Quem é que lá os pendura nos ramos?
De quem é a mão a inúmera mão?
Eu passo e muda-se-me o coração
Ruy Belo
10/11/2014
Ondulação
Caiu-me
uma pedra nua
no ócio do coração,
agitando sobre o sangue das aortas
uma ligeira ondulação de negócio.
09/11/2014
"O apanhador de desperdícios" de Manoel de Barros
Manoel de Barros - Poeta brasileiro |
Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim um atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato
de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim um atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato
de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus silêncios.
Para além do destino
Dentro da velha Nau Catrineta
sobe rápido o marujo à vigia
sem monóculo nem sequer luneta
avista uma terra cheia de magia
"Terra à vista" sonoramente anuncia
a voz viril corre da proa ao convés
e toda a marinhagem já se alivia
de tantos meses sem terra nos pés
"Vejam mais longe!" diz o capitão
que sempre mais ambição tem
que sempre recusa qualquer emoção
"Vós vedes a terra, eu vejo o império"
perante tal valentia, da terra se esquecem
e seguem na Nau sem destino nem tédio
sobe rápido o marujo à vigia
sem monóculo nem sequer luneta
avista uma terra cheia de magia
"Terra à vista" sonoramente anuncia
a voz viril corre da proa ao convés
e toda a marinhagem já se alivia
de tantos meses sem terra nos pés
"Vejam mais longe!" diz o capitão
que sempre mais ambição tem
que sempre recusa qualquer emoção
"Vós vedes a terra, eu vejo o império"
perante tal valentia, da terra se esquecem
e seguem na Nau sem destino nem tédio
06/11/2014
Negro
É preciso fazer um
luto
para sair da sombra que foi sol
e feneceu no fim da planície,
onde os anjos arrumaram os instrumentos dourados
e saíram pela porta dos fundos sem glória.
Calaram-se os cânticos
e a planície parece outra vez um painel de azulejos
sem movimento aparente.
Convoco os suicidas para dizer-lhes que não vou com eles:
Sylvia Plath, Antero e Manuel Laranjeira
peço-vos desculpa, mas gosto de rebolar na terra
ainda que seja comprovadamente um acto indigno
É urgente fazer um luto da primeira vida
e entrar de mansinho na segunda.
04/11/2014
primavera em novembro
sim
valeu a pena
ter chegado aqui
fechar os olhos
e por detrás das pálpebras
projectar o passado
só agora feliz
no inverno
a primavera ainda floresce
mas apenas quando a noite cai
valeu a pena
ter chegado aqui
fechar os olhos
e por detrás das pálpebras
projectar o passado
só agora feliz
no inverno
a primavera ainda floresce
mas apenas quando a noite cai
31/10/2014
Medeia
Medeia conseguiu três vezes que Jasão vencesse as duras provas que o pai dela engendrara para derrotá-lo. Ao ver-se vencido, o pai de Medeia tentou um golpe final, mas ainda assim Medeia e Jasão fugiram na Nau dos Argos com o irmão dela. Medeia para atrasar o navio do pai que os perseguia, desfez o seu irmão em pedaços lançando-os ao mar, porque sabia que o pai os iria recolher a todos e prestar-lhes no final uma homenagem fúnebre – o que permitiria o sucesso da sua fuga com Jasão. Pelo caminho, foram felizes e tiveram vários filhos. Porém, mais tarde, já em Corinto, o rei Creonte pediu a Jasão para casar com sua filha, Creúza, Jasão, vitima de intriga, não resistiu ao pedido, informando Medeia que ela era uma simples mulher e não podia perder aquela oportunidade de se tornar um membro da família real. Medeia jurou vingar-se. Enviou um vestido coberto de joias e veneno que matou Creúza. Para além disso, matou os próprios filhos e levou os corpos consigo para que o pai, Jasão, não os pudesse sequer enterrar.
"Medeia matando os filhos" de Eugéne Delacroix |
Carta aberta a um amigo
Amigo,
A propósito do que ela te disse:"Diz que me acha «duro» (muito desiludido, bastante esquivo, um pouco cínico). Enquanto contamos o que nos aconteceu desde os tempos do colégio, é visível a sua decepção comigo, " - penso que é tudo imaginação sua ou talvez um ideal que lhe foi alimentado pelas máscaras de outros. Se assim não fosse, estarias a trair as estações do ano, o ciclo da vida, a deliberação dos deuses. O outono é sempre assim - contou-me o meu pai que lhe tinham contado outros amigos - e todos os adjectivos que podemos atribuir a essa estação são sempre redutores.
Também é normal que estejas cada vez mais duro. Não há outra forma de proteger a ternura pelo inverno adentro.
Bom outono,
Luís
Luís
30/10/2014
Agarrado pela vida
"Mas, para dizer a verdade, toda a minha vida tenho tentado ser uma pessoa bastante medíocre. Fiz o meu trabalho, procurei atingir os meus objectivos, cumprindo as minhas obrigações e esperei pelo velho quid pro quo. Aquilo que recebi, como é natural, foi um valente murro na cabeça. Acreditava que tinha estabelecido um acordo secreto com a vida para me livrar do pior. Uma ideia perfeitamente burguesa." - Werner Herzog extraído do Blogue Malparado
23/10/2014
21/10/2014
Antígona
Antígona desejava dar uma sepultura ao seu irmão Polinice. Este que tinha comandado um ataque a Tebas, morreu a combater contra o seu outro irmão, Etéocles. Creonte, rei de Tebas, decidiu prestar homenagens fúnebres a Etéocles, devido a ter morrido a defender a cidade. Enquanto, ao cadáver de Polinice, ordenou que fosse lançado aos abutres e cães e que nenhum ritual fúnebre lhe fosse prestado. Antígona rebelou-se contra a ordem de Creonte e por suas próprias mãos enterrou e prestou os devidos cultos fúnebres a Polinice.Achava ela que todo o homem tinha direito a ser enterrado, independentemente do seu passado. Muitos em Tebas, pensavam como Antígona, porém ninguém ousou contrariar a decisão do rei. Creonte inquiriu Antígona que afirmou ter sido ela a efetuar aquele ato. Creonte mandou enterrá-la viva. O filho de Creonte, Hêmon, era o noivo de Antígona e ao saber da condenação encerrou-se no túmulo com Antígona. Quando Creonte se dirige para o local da condenação para resgatar o seu filho, Hêmon ameça o seu pai com um punhal, mas em vez de matá-lo, decide-se suicidar. Ao saber da morte de seu filho Hêmon, Euridice, mulher de Creonte, também se mata.
Esta peça escrita 300 AC, continua uma imitação do real. Só assim se entende a sua persistência histórica e qualidade poética (segundo Aristóteles em "Poética", uma peça era uma imitação do real). Eu posso testemunhar que continua acontecer isto entre os homens: Tirania e despotismo gera desgraça a quem a pratica. Tenho pelo menos fé que assim continue.
Confidência
Tenho a alma ferida,
por uma pátria que não entendo,
por uma língua que não conheço,
por um desamor vadio que me espera nas esquinas
e me apunha-la sem dó.
E dito isto resta-me continuar
como quem finalmente compreende
porque é o fado a cantiga da nação.
Queria fazer a guerra, mas não sou capaz.
Queria dar gritos, mas a rouquidão tolhe-me a loucura.
Sim, sei que tenho amigos (graças a Deus!)
Mas eles passam em suas barcaças
e acenam-me e gritam longínquos: “Viva, amigo!”
E depois seguem o curso dos seus rios
tantas vezes de marés avessas aquelas que me levam.
A minha resistência é a poesia.
Mas tão leve ela é
quando irrompem as águas impenitentes da história
da minha e da tua história.
17/10/2014
Sempre às sextas-feiras
uma gota de silêncio
caiu dentro de um copo
cheio de dias de azáfama
e logo
outra gota transbordou
cheia de gatos grandes e distantes
bebia em tragos largos
e as pálpebras semicerraram
três milímetros antes de um sono
quase sexo
"Que fresco aquele sabor
intensamente neutro
e aberto!"
15/10/2014
Salmo do homícida
Quem me dá a arma ?
Quem oferece o peito à bala ?
Onde me escondo e de quem ?
"Não matarás", escreveste tu, Senhor, nas tábuas da velha lei.
Mas os outros são o inferno, Senhor.
Não cabem na palma da tua mão,
feita de terra-mel
para os que contigo decidiram viver,
feita de terra-fel
para os que por mim devem morrer.
Quem oferece o peito à bala ?
Onde me escondo e de quem ?
"Não matarás", escreveste tu, Senhor, nas tábuas da velha lei.
Mas os outros são o inferno, Senhor.
Não cabem na palma da tua mão,
feita de terra-mel
para os que contigo decidiram viver,
feita de terra-fel
para os que por mim devem morrer.
13/10/2014
09/10/2014
07/10/2014
Outubro
Qualquer coisa de ouro velho e abstrato invade o ar através do lento vapor desta manhã de outubro. As gotas da chuva miudinha desfazem-se nas folhas dos arbustos mais rasteiros, tornando-as tristes e vivas
como seres pensantes, quando se detêm diante de um tom magoado de luz. Os pássaros prometem-nos que não há pressa.
Entre eles, nunca a houve verdadeiramente. A primavera está outra vez demasiado longe do horizonte e as sementes preparam as suas camas de orvalho nas veias
do húmus sobrevivente da última estação quente. O poema, omnipresente e
impotente, escreve-se no voo curto e débil das primeiras folhas caídas. Em cima dos lábios, cantilenas sombrias entreabrem frestas no
peito do mais distraído pastor de máquinas.
30/09/2014
à beira do lago
(Durante um almoço na esplanada do "espelho de água" - Parque Eduardo VII)
O sol espraia-se sob o lago municipal. Junto a ele - e por entre dois arbustos de semblante aromático - duas crianças brincam como se o o mundo delas coubesse em meia casca de noz.
Depois uma delas deita-se e deixa que o sol se divirta sobre a sua epiderme. Algo lhe chama atenção na superfície do lago e, tocando no espelho de água, produz uma serpente de ondas que agitam o coração do dia e por ai adiante, até ao limite do caos que apenas entendo com uma imprecisa emoção.
Dou o último gole na bica e regresso ao trabalho.
O sol espraia-se sob o lago municipal. Junto a ele - e por entre dois arbustos de semblante aromático - duas crianças brincam como se o o mundo delas coubesse em meia casca de noz.
Depois uma delas deita-se e deixa que o sol se divirta sobre a sua epiderme. Algo lhe chama atenção na superfície do lago e, tocando no espelho de água, produz uma serpente de ondas que agitam o coração do dia e por ai adiante, até ao limite do caos que apenas entendo com uma imprecisa emoção.
Dou o último gole na bica e regresso ao trabalho.
28/09/2014
Casa do segredo
Enquanto
as palavras amadurecem
no silêncio,
os nossos olhares fixam-se
e, grão a grão, constroem
a casa idílica do segredo.
26/09/2014
Canção de setembro
Setembro é um mês reflexivo, uma metáfora para a vida, para o ano. É um dos protagonistas do ciclo de estações que faz o favor de renovar-nos as sensações. Setembro é o clímax dos nostálgicos e dos bucólicos que com sabedoria definiram a fronteira entre a decadência romântica e o precipício da tristeza.
Caro amigo ou amiga, aproveita esta suave estação, mas tem cuidado. Não deixes que o pessimismo te atraiçoe.
Se tiveres tempo, houve esta canção que ouvi ontem na peça "September Song" da minha amiga Marcela Costa.
Caro amigo ou amiga, aproveita esta suave estação, mas tem cuidado. Não deixes que o pessimismo te atraiçoe.
Se tiveres tempo, houve esta canção que ouvi ontem na peça "September Song" da minha amiga Marcela Costa.
25/09/2014
"Escondida nas minhas mãos" de Leonard Cohen
Escondidos nas minhas mãos
os teus seios pequeninos
são o ventre às avessas de pardais
caídos que respiram ainda.
Quando te moves ouço
o ruído de asas que se fecham
e de asas que desistem.
Fico sem palavras
porque estás deitada a meu lado
porque as tuas pestanas são o esqueleto
de minúsculos frágeis animais.
Tenho medo do tempo
em que a tua boca
me considere um caçador.
Quando me chamas e tão perto
me dizes
que o teu corpo não é belo
quero ordenar
às bocas e aos olhos ocultos
das pedras da luz da água
que testemunhem contra ti.
Quero que te
entreguem
como de uma caixinha
o verso trémulo que é o teu rosto.
Quando me chamas e tão perto
me dizes
que o teu corpo não é belo
eu quero que o meu corpo e as minhas mãos
sejam lagos
onde tu olhes e rias.
Tradução de Pedro Mexia
23/09/2014
15/09/2014
11/09/2014
04/09/2014
28/08/2014
22/08/2014
Mónica e o desejo
É verdade que foi uma descoberta serôdia aquela que fiz através dos canais-cabo da TV Cine. O que descobri foram alguns filmes do realizador sueco Ingmar Bergman.
Este realizador que inicia a sua formação em Teatro, inspira-se nele quando transporta para a sétima arte a beleza dos planos, o trabalho de luzes, a força das personagens (muito bem definidas, aliás.) e um conjunto de temáticas muitos especiais que me parecem devidas ao facto do seu pai ter sido pastor da igreja protestante.
Ontem, televisionei "Mónica e o desejo"(1953). A personagem que intitula o filme entre e sai do filme como um leitmotiv que arrasta atrás de si o sentimento tão humano do desejo. O desejo está tão fortemente concentrado naquela personagem e a sua habilidade para alcançar o objeto desejado é tão tosco que arriscaria a chamar a este filme "A Madame Bovary, segundo Ingmar Bergman".
Mónica - ao contrário do seu companheiro que estuda engenharia para construir o devir - surge sempre incomodada e inconformada com a realidade, o que a leva a uma constante condição de nómada. Entra na narrativa e sai igual, como se a sua insatisfação fosse um indomável monstro que vive sem coito pela vida fora.
Este realizador que inicia a sua formação em Teatro, inspira-se nele quando transporta para a sétima arte a beleza dos planos, o trabalho de luzes, a força das personagens (muito bem definidas, aliás.) e um conjunto de temáticas muitos especiais que me parecem devidas ao facto do seu pai ter sido pastor da igreja protestante.
Ontem, televisionei "Mónica e o desejo"(1953). A personagem que intitula o filme entre e sai do filme como um leitmotiv que arrasta atrás de si o sentimento tão humano do desejo. O desejo está tão fortemente concentrado naquela personagem e a sua habilidade para alcançar o objeto desejado é tão tosco que arriscaria a chamar a este filme "A Madame Bovary, segundo Ingmar Bergman".
Mónica - ao contrário do seu companheiro que estuda engenharia para construir o devir - surge sempre incomodada e inconformada com a realidade, o que a leva a uma constante condição de nómada. Entra na narrativa e sai igual, como se a sua insatisfação fosse um indomável monstro que vive sem coito pela vida fora.
Atriz Harriet Andersson |
21/08/2014
20/08/2014
uma vez que já tudo se perdeu
Que o medo não te tolha a tua mão
Nenhuma ocasião vale o temor
Ergue a cabeça dignamente irmão
falo-te em nome seja de quem for
No princípio de tudo o coração
como o fogo alastrava em redor
Uma nuvem qualquer toldou então
céus de canção promessa e amor
Mas tudo é apenas o que é
levanta-te do chão põe-te de pé
lembro-te apenas o que te esqueceu
Não temas porque tudo recomeça
Nada se perde por mais que aconteça
uma vez que já tudo se perdeu
Soneto de Ruy Belo.
Desenho de Vasco Barreto
18/08/2014
14/08/2014
E agora ?
Desço ou subo ? Se desço, não chegarei e todo o esforço despendido será um farrapo lançado aos cães. Para subir é preciso mais coragem e eu estou atónito, gelado e pétreo como a montanha que me segura e empurra.
Atiro-me ou rezo ? Atirar-me era fácil. Como era fácil, ó meu Deus. E para rezar é preciso espaço. Não há altar mais sagrado que esta paisagem que se espraia a meus pés, porém a minha fé é menor que a minha descrença. É tarde demais, para encontrar o divino dentro de mim, por que não Lhe conheço o rosto, nem sei ao certo que rasto devo seguir na floresta mística da minha esperança.
Espero ? Mas por quem ? De que vale gritar, se os meus gritos se misturam entre tantos outros, que todos os apelos do mundo não são mais que uma massa informe que passa indiferente entre este zumbido continuo que é a voz humana escutada por um penedo.
Eu sei que não devia ter tomado este caminho, mas tomei. E agora ?
08/08/2014
outra condenação paradoxal
Somos inteligentes demais para nos submetermos a Deus, mas demasiado frágeis para vivermos sem Ele.
Ainda ninguém sabe ao certo onde acaba a terra e começa o céu.
Ainda ninguém sabe ao certo onde acaba a terra e começa o céu.
Condenação libertária
Dizia Jean-Paul Sartre que "estamos condenados à nossa liberdade", porém, somos quase sempre fracos demais para assumir tamanha responsabilidade.
07/08/2014
26/07/2014
02/07/2014
A poesia e a rutura
Charles Baudelaire |
"Em 1857, no dia 25 de Junho, são publicadas As Flores do Mal pelo poeta francês Charles Baudelaire. O livro, obra iniciática do modernismo e simbolismo literário, foi logo violentamente atacado pelo Le Figaro e recolhido poucos dias depois sob acusação de insulto aos bons costumes. Baudelaire foi condenado a uma multa de 300 francos (reduzida depois para 50) e o editor a uma multa de 100 francos e, mais grave, seis poemas tiveram de ser suprimidos da publicação, condição sem a qual a obra não poderia voltar a circular." - extraído de Wikipédia - "Flores do mal" de Charles Baudelaire
01/07/2014
20/06/2014
18/06/2014
13/06/2014
O primeiro dia de verão
"Primavera em Catou" - Auguste Renoir |
A abelha torpe e desmazelada foge do recanto mais quente em direção às primeiras flores secas do verão. Não há regresso para ela e, mesmo que houvesse, já a sua casa teria ardido entre as labaredas inflamadas pela brisa das asas das intimas borboletas.
Nasceu mais uma estação meridional, mas ninguém reparou. Só mesmo a papoila, por que secou, e um gato atento ao lírico esvoaçar das aves, parecem perceber o novo ângulo solar dos raios. Mais tarde, virão marés coloridas e olorosas misturar os fluídos brilhantes da novel estação.
E Deus, que anda de calça arregaçada entre o feno, faz-me uma saudação vulgar e contínua, enquanto deixa atrás de si um trilho de estrelas e planetas, onde as formigas combinam a hora certa da próxima alucinação.
09/06/2014
"GUADIANA 86-14" - FOTOGRAFIA DUARTE BELO
"Quando se percorrem a pé, demoradamente, as margens do Guadiana, fica gravada no nosso ser, indelevelmente, a experiência primordial da integração num mundo que nos transporta a um tempo imemorial..."
Entre 1986 e 2014, Duarte Belo, fotógrafo, percorre as margens do Rio Guadiana, colecionando imagens do que era e do que é o maior rio do sul do país. Esta é uma exposição com fotografias do arquivo do autor, a preto&branco e a cores, numa organização dinâmica que sugere uma viagem pelas margens do Guadiana...
"As fotografias querem fixar uma memória, são documentos sobre um tempo passado, um rio sobre o seu leito. Ao mesmo tempo procura-se a linguagem própria da singularidade dos elementos, ou descodificar a sua essência, o olhar humano que sobre eles pousa. A construção de suportes de exposição, mesmo do desenho do conjunto planificado das imagens, quer definir uma arquitetura de comunicação. Uma escrita que, recusando, por impossível, a replicação de uma realidade concreta, quer construir uma arquitetura nova onde se pode viver a invenção de um tempo paralelo."
DB
Entre 10 de maio e 23 de novembro de 2014
No Museu da Luz - Aldeia da Luz (Mourão)
http://www.museudaluz.org.pt/Pulo do Lobo - Rio Guadiana - Mértola |
06/06/2014
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